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“Em meia dúzia de anos, os veículos elétricos deram saltos tecnológicos enormes”


Desde sempre interessado pela indústria automóvel,

José Pontes é um verdadeiro especialista no mercado dos Veículos Elétricos (VE), reconhecido nacional e internacionalmente. Tudo começou em 2012, quando criou o blogue EV Sales (ev-sales.blogspot.pt) em que publicava dados de vendas de veículos ‘plug-in’ a nível mundial. Como não havia mais ninguém a fazer esse tipo de recolha de dados, o blogue ganhou popularidade (atualmente tem cerca de 100.000 leitores por mês) e começaram a surgir convites para fazer desta atividade um emprego a tempo inteiro. Assim, em 2015 fundou com dois sócios a empresa EV Volumes (ev-volumes.com), dedicada a fornecer serviços de dados e consultoria nesta área. Além do EV Volumes e do blogue, também colabora no Observatório Europeu de Combustíveis Alternativos (eafo.eu) e escreve no site Cleantechnica (Cleantechnica.com) e na revista The Beam, ambos ligados às energias renováveis e eletromobilidade.

Como analisa a evolução nas vendas de automóveis a novos sistemas de propulsão (elétricos, híbridos...), que os dados estatísticos confirmam como estando em crescimento acelerado? Neste momento estamos no início de uma mudança de paradigma, as vendas de veículos a diesel estão a cair um pouco por toda a Europa, para benefício de todos os combustíveis alternativos (GPL, Gás Natural, etc), mas em particular dos veículos plug-in, que se podem carregar numa ficha doméstica. Assim, este tipo de veículos está a crescer a uma taxa de 50% ao ano na Europa, sendo que na China o crescimento é ainda mais acentuado, com as vendas mais que duplicando, sendo que nesse país já há mais VE que nos EUA e Europa... juntos. Não é coincidência que a marca que mais plug-ins vendeu nos últimos três anos não foi a Tesla, mas sim uma marca chinesa (BYD). Certo, em 2017 as vendas a nível mundial representaram pouco mais de 1% de todos os automóveis vendidos, mas contamos que este ano as vendas dupliquem e acabem com cerca de dois milhões de plug-ins vendidos num só ano.

E como acha que esse crescimento vai evoluir nos próximos tempos, agora que a mobilidade elétrica está cada vez mais vulgarizada, que a rede de “abastecimento” se expande e que a oferta de novos modelos por parte dos fabricantes promete “explodir” nos próximos tempos? Penso que a transição será rápida, mais rápida do que muita gente imagina. Tomando como exemplo a Noruega, em 2011 os plug-ins tinham apenas 1% das vendas automóveis desse país, sete anos depois têm 47% do mercado. Mas para tal acontecer a nível global é preciso que as marcas automóveis estejam preparadas para produzir em conformidade, algo que até ao momento, e com a exceção da Tesla e das marcas chinesas, não tem acontecido, originando longas listas de espera, há exemplos de modelos com esperas superiores a 9 meses, ou mesmo um ano, o que é um exagero e impede que o mercado cresça ainda mais depressa. Outro aspeto importante é a rede de “abastecimento”, ou de recarga dos VE, nos países em que as vendas cresceram mais rapidamente, regra geral, a infraestrutura de recarregamento não tem acompanhado, originando filas nos pontos de carregamento. Esta situação começa também a verificar-se em Portugal, as vendas de VE têm crescido a bom ritmo desde 2015, mas a infraestrutura não cresceu na mesma medida, originando filas nos Postos de Carregamento Rápidos (PCR), especialmente na região de Lisboa.

Sendo um conhecedor da realidade europeia, como/em que mais se diferencia o mercado português dos restantes? O principal ponto diferenciador entre os vários mercados europeus tem a ver com os incentivos, fiscais e outros, que cada país possui. Olhar para o percurso dos veículos elétricos em Portugal é olhar para a nossa história recente: se em 2010/2011 Portugal estava na linha da frente da mobilidade elétrica, graças à implantação da rede de recarga Mobi.e e aos 5.000 euros de incentivo na compra de um VE, nos anos seguintes, coincidindo com os anos da Troika, os incentivos à compra foram retirados e a Rede Mobi.e passou por uma fase de estagnação, que levou a que as vendas de veículos elétricos diminuíssem durante alguns anos e o país perdesse o lugar na linha da frente da mobilidade elétrica. Com o desanuviar da crise económica, no final de 2014, os incentivos regressaram, e com eles as vendas cresceram exponencialmente, de 300 unidades em 2014 para 4.200 no ano passado, sendo Portugal atualmente o sétimo país europeu com maior percentagem de vendas de VE, acima de países como a Alemanha, França ou Reino Unido. Para ver como os incentivos estão ligados ao sucesso dos veículos plug-in, somos o único país do Sul da Europa a ter incentivos na compra de VE e, coincidentemente, somos também os únicos em que os VE têm mais de 1% das vendas (neste momento os plug-in têm 2.7% do nosso mercado); os vizinhos espanhóis, por exemplo, têm só 0.6%.

De acordo com as matrículas do primeiro trimestre deste ano, enquanto os veículos elétricos cresceram quase 100% e os veículos a gasolina subiram mais de 25%, os diesel diminuíram 9,1% face ao período homólogo. Será que essa tendência se vai manter, mesmo acentuar nos próximos tempos? Essa tendência irá acentuar-se com o passar dos anos, há mesmo países europeus onde quem adquire veículos a diesel já não os compra, mas faz ALDs ou Rentings, pois estão preocupados com o valor comercial desses veículos daqui a 4/5 anos, pois com o aumento das restrições de acesso às grandes cidades, derivado da baixa qualidade do ar, os diesel estarão na primeira linha de veículos a serem banidos dos centros das grandes cidades. Assim sendo, já hoje, muitos preferem que o ónus da desvalorização fique com terceiros, o que a prazo levará a que no mercado de segunda mão os diesel desvalorizem mais rapidamente que um equivalente com uma componente elétrica ou a gasolina. O fenómeno será mais lento em mercados onde o diesel está mais implementado, como o português, mas a tendência está lá, a única diferença é que em vez de acontecer em 2022/2023, ele será realidade uns 4 a 5 anos mais tarde.

"O principal ponto diferenciador entre

os vários mercados europeus

tem a ver com os incentivos, fiscais e outros, que cada país possui."

Em seu entender, que explicação(ões) existe(m) para essa mudança, drástica, num mercado como o nosso onde a motorização diesel sempre foi a mais importante em termos de vendas e valorização? É essa a mudança de paradigma. Se antes se comprava uma viatura diesel sabendo que no futuro, quando fossemos vendê-la, ela iria valer mais que a sua equivalente a gasolina, neste momento as perspetivas são inversas, daqui a 4/5 anos o foco dos consumidores estará centrado em viaturas mais ecológicas, elétricos, híbridos... e os diesel cada vez mais postos de parte. Mesmo hoje podemos assistir a uma mudança significativa no ‘mix’ de vendas nas viaturas novas: em abril 2017 as viaturas diesel representavam 62% do mercado, 12 meses depois representaram apenas 53%, uma queda acentuada de 9%. Certo, ainda são mais de metade das vendas, mas... e daqui a 4 anos? Se esta queda de 9% se mantiver, em 2022 as viaturas diesel representarão só 17% das vendas de viaturas novas. Em contrapartida, as viaturas 100% elétricas terão 5-6% do mercado, e os híbridos cerca de 15-17%. Aliás, várias marcas (Toyota, Volvo, Renault…) já anunciaram o seu desinvestimento nas motorizações a diesel, pois não veem futuro nas mesmas.

Aumentam as restrições à circulação dos automóveis movidos a derivados do petróleo, nomeadamente aos diesel, a ponto de se começar a legislar no sentido da interdição dos mesmos dentro de poucos anos, ou pelo menos da sua discriminação face aos VE. Que comentário isso lhe merece? A qualidade do ar nas nossas grandes cidades tem vindo a piorar com o passar dos anos, com os consequentes efeitos na saúde pública – basta passar no Marquês de Pombal em hora de ponta para nos apercebermos do cheiro emitido pelos canos de escape –, pelo que é natural que hajam restrições, tendo em vista a melhoria da qualidade do ar. No entanto, penso que as mentalidades não se mudam por decreto, pelo que não basta restringir o acesso aos automóveis movidos a combustíveis fosseis, devemos também colaborar com os profissionais que precisam diariamente de aceder ao centro das cidades, por forma a que eles façam a transição para VEs de uma forma progressiva; quanto aos utentes que se deslocam todos os dias de e para as cidades, deve-se incentivar o uso dos transportes públicos e, dentro da cidade, do transporte ciclável, penso ser um desperdício termos um clima que convida ao exercício físico e no entanto andamos de automóvel dentro das grandes urbes em filas intermináveis, quando o mesmo trajeto feito de bicicleta poderia ser feito em menos tempo. Claro que para isso acontecer teríamos de investir fortemente em ciclovias pensadas de raiz, seguras e de fácil acesso, mesmo que para isso tivéssemos de restringir ainda mais a circulação automóvel. Ainda há dias estive na Alemanha e vi autênticas “vias rápidas” para ciclistas, com a mesma largura que as vias para automóveis. Este é o futuro das grandes cidades: mais ciclovias, menos automóveis.

Acha que esse movimento é irreversível? Estaremos mesmo a assistir ao início do fim dos motores a diesel? Haverá já uma data limite para a “validade” dos veículos com motores de combustão interna, a começar pelos diesel? A não ser que haja um evento catastrófico, como uma crise económica severa ou uma guerra global, este movimento é irreversível, pois, tal como as energias renováveis, já não estamos a falar das vantagens para o meio ambiente, cada dia que passa as vantagens serão cada vez mais económicas e de superioridade tecnológica em relação ao que vem do passado, pois a evolução dos veículos de combustíveis fosseis, e em particular do diesel, são neste momento marginais, e para os obter estes tornam-se cada vez mais caros. Em contrapartida, os veículos elétricos em meia dúzia de anos deram saltos tecnológicos enormes. Por exemplo o Nissan Leaf quando surgiu em 2011 tinha 120 km de autonomia real e custava mais de 35.000 euros, sete anos depois o mesmo Leaf custa 30.000 euros e tem 250 km de autonomia real. Portanto, em sete anos, o Leaf baixou o seu preço em 15% e duplicou a sua autonomia. É evidente qual a tecnologia com maior margem de progressão... Daqui a 5-7 anos, quando o mesmo Leaf tiver 500 km de autonomia real e custar 25.000 euros, alguém quererá comprar um veículo a combustível fóssil?

Portugal é atualmente o sétimo país europeu

com maior percentagem de vendas de VE,

acima de países como a Alemanha,

França ou Reino Unido.

Como analisa os argumentos de quem, industriais ou não, ainda os defenda, ao afirmar que mais vale torná-los mais eficientes e limpos do que simplesmente bani-los? Como referi anteriormente, a diferença passa pelo potencial que cada tecnologia traz consigo, a questão é a seguinte: investimos em melhorar em 5%-10% a performance de uma tecnologia madura, implicando um aumento ligeiro de 0-5% no preço, ou investimos numa tecnologia nascente, com potencial em duplicar a sua performance num prazo de 5-7 anos e, ao mesmo tempo, reduzir o seu custo em 15% durante o mesmo período? Se esses “resistentes” não derem o salto a tempo para a nova tecnologia, outros o farão, e com eles também os consumidores. Aliás, os construtores chineses veem a mobilidade elétrica como uma oportunidade dourada de finalmente entrar nos mercados ocidentais de forma significativa, pois têm assistido à resistência dos construtores locais em abraçar a nova tecnologia, assim as marcas chinesas estão agora a ganhar escala no seu mercado interno e, dentro de dois ou três anos, preparam-se para atacar em força os mercados europeus e norte-americanos. Isto nos veículos ligeiros de passageiros, pois nos autocarros elétricos os chineses estão já à frente: no ano passado, 99% de todos os autocarros elétricos produzidos no mundo foram de marcas chinesas, e nesta categoria eles estão entre os mais vendidos na Europa. O mercado de autocarros deve servir de aviso ao que está para vir: se os grandes construtores europeus não mudarem de paradigma rapidamente, a Tesla no segmento ‘premium’ e os chineses nos segmentos mais populares irão conquistar-lhes o mercado.

O que acha que poderia/deveria ser feito em Portugal, antes de mais a nível institucional mas também por parte das marcas, para ajudar a acelerar a adoção de veículos elétricos ou eletrificados? A nível institucional, penso que devia haver um incentivo mais significativo para os particulares, podendo ser na forma de um crédito no IRS de cada contribuinte, enquanto que a infraestrutura deveria ser impulsionada, não só para cobrir melhor o país, incluindo os Açores, mas também para colocar uma rede mais densa onde ela é necessária, como em Lisboa ou no Porto. Falando em infraestrutura, devemos seguir o exemplo da Madeira no resto do país, onde a mesma está muito bem assinalada, dando assim visibilidade à rede de recarga de VEs. Finalmente, um ponto que também ajuda os VE a ter visibilidade, e que é comum em outros países, seria os veículos 100% elétricos terem uma matrícula diferente das restantes, podendo ser uma numeração diferente ou simplesmente uma cor diferenciada. Quanto às marcas, de início a Nissan teve a boa ideia de instalar PCRs nos seus concessionários, tornando esse ponto como uma vantagem competitiva sobre as demais, penso que as outras poderiam seguir o exemplo, aumentando assim a rede disponível. Agora que os Supercarregadores da Tesla chegaram a Portugal, sendo um ponto diferenciador sobre a concorrência, penso que os demais construtores, especialmente os ‘premium’, deveriam pressionar para que as novas redes (Ionity, etc...) de PCRs que funcionam a velocidades iguais ou superiores às da Tesla cheguem a Portugal mais cedo que tarde, pois não basta ter um VE com uma grande autonomia, é preciso também recarregar esse VE rapidamente para poder fazer uma viagem Viana do Castelo-Faro sem grande perda de conveniência relativamente a um automóvel movido a combustíveis fosseis.

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