Para a indústria automóvel, a corrida à eletrificação já começou, com a totalidade dos fabricantes a acelerarem o investimento e o desenvolvimento de novas gamas e modelos elétricos ou híbridos. A razão para isso estar a acontecer tem também a ver com a constante evolução tecnológica que caracteriza esta indústria, mas explica-se acima de tudo pela necessidade de cumprir as exigentes metas de emissões que os legisladores agora impõem...

É, de facto, isso que está em causa: à sôfrega pesquisa no sentido de obter propulsores cada vez mais eficientes, os industriais automóveis somam agora a preocupação com a nova realidade de terem mesmo de reduzir significativamente o nível das emissões resultantes da queima de combustíveis fósseis pelas suas frotas de veículos. A questão é assim, antes de mais, ambiental: a bem do meio ambiente em que vivemos, da nossa qualidade de vida, há muito que é desígnio social e político caminhar-se no sentido de minimizar o inegável efeito poluidor de uma indústria como esta que é o automóvel (aliás tal como muitas outras em cuja cadeia de produção e utilização estão envolvidos gases nocivos ou outros fatores poluentes), nomeadamente pela redução drástica do nível de dióxido de carbono (CO2), gás que resulta da queima direta de combustíveis fósseis e que é o principal responsável pelo fenómeno de aquecimento global que há mais de uma década preocupa cientistas e ambientalistas. Ora sabendo-se que o transporte rodoviário representa um contributo importante nas emissões de dióxido de carbono com origem em produtos petrolíferos e seus derivados, é natural que essas restrições atinjam também a indústria automóvel, que tem um peso importante no contexto das emissões de gases nocivos para a atmosfera. É pois inevitável que os atuais veículos a gasolina/gasóleo comecem a ser gradualmente substituídos por novas gerações de automóveis, menos poluentes e energeticamente mais eficientes. E é hoje praticamente unânime que essa é uma transição geracional na qual a eletromobilidade irá desempenhar um papel fundamental, com a chegada em força dos veículos elétricos e híbridos.

Limites cada vez mais apertados... Mas para os industriais do automóvel, que diga-se o que se disser têm há muito assumido uma inegável posição de responsabilidade social, essa transição deixou agora de ser apenas uma necessidade, passando a ser uma realidade incontornável, mesmo uma obrigatoriedade... Porquê? Porque se assim não o fizerem, e depressa, arriscam pesadas multas! Os veículos de passageiros são responsáveis por cerca de 12% do total das emissões de CO2 registadas na Europa. Partindo desse número, e além de contabilizar a componente ambiental para efeitos fiscais, a legislação da União Europeia prevê desde 2009, através da sua diretiva 443/2009, metas de redução dessas emissões para os carros novos em circulação nos países membros. As primeiras metas estão em vigor desde o ano 2015: desde então, qualquer veículo novo vendido no espaço comunitário não poderá ultrapassar os 130g de CO2 por cada quilómetro percorrido; o que corresponde aproximadamente a um consumo de 5,6 litros / 100 km para um carro a gasolina ou 4,9 litros / 100 km para um diesel. E a indústria correspondeu, pelo menos em parte, com os dados estatísticos oficiais a confirmarem que em 2017 o nível médio de emissões para carros novos registados na União Europeia não ultrapassou os 118,5 g/km de CO2; considerando a evolução desde 2010, isso significa uma redução de 15,5%. Contudo, metas bem mais apertadas estão já previstas para os próximos anos. Em abril último, o Parlamento Europeu aprovou a nova diretiva 2019/631, igualmente já adotada pelo Conselho da União Europeia, que impõe novas metas a atingir para o período após 2020: assim, a partir de 2021 os veículos novos deverão respeitar um limite de 95 gramas de CO2 emitidos por km (nível de emissões que corresponde a cerca de 4,1 litros de gasolina ou 3,6 litros de gasóleo consumidos a cada 100 km). E o calendário faseado aprovado pelos órgãos decisores da União Europeia prevê que esse limite (95 g/km) entrará em aplicação já no próximo ano, para 95% dos modelos menos poluidores na frota de cada construtor automóvel. Nesse calendário está também previsto que as metas para as emissões dos automóveis apertem ainda mais no futuro, um objetivo cujo cumprimento será facilitado – espera-se – pela generalização crescente dos veículos de baixas emissões ou mesmo de emissões zero: em 2025 as viaturas ligeiras novas deverão emitir em média 15% menos de CO2 comparativamente ao limite fixado para 2021 (95 g/km); e em 2030 a redução deverá ser de 37,5%.

Multas para quem não cumprir... Muitos dos construtores e seus representantes não se têm inibido de demonstrar o seu descontentamento, considerando no mínimo irrealista e mesmo muito arriscado (ao poder contribuir para colocar em risco postos de trabalho) impôr limites tão apertados: “Dizemos sim à descarbonização, mas temos de ser realistas. As metas são extremamente exigentes para a indústria automóvel” (Erik Jonnaert, secretário-geral da Associação Europeia dos Construtores de Automóveis); “É um desafio dramático para os construtores e para o seu negócio” (Harald Krüger, CEO da BMW); “O voto do Parlamento é um voto contra a indústria europeia. O caminho escolhido leva-nos a um impasse e vai ser muito doloroso” (Carlos Tavares, CEO do Grupo PSA)... Outros fabricantes já começaram a fazer contas e antecipam até as multas a que serão sujeitos por não atingirem esses limites, que de acordo com um estudo da empresa de consultoria JATO Dynamics poderão mesmo somar um valor de 34 mil milhões de euros em 2021... E antecipam multas porque a mesma diretiva europeia que regula os novos níveis de emissões dos veículos automóveis define isso mesmo: fortes penalizações para o não cumprimento dos limites aprovados. A saber: se a média de emissões da frota de uma marca exceder a meta definida para esse ano, o fabricante será penalizado por cada grama por quilómetro a mais! E a partir deste ano o valor tabelado para essa penalização é de 95 euros por cada g/km excedido. Ao mesmo tempo que avalia a introdução de uma metodologia fiável para monitorizar com rigor as emissões CO2 dos carros novos (afinal, e depois do que já aconteceu antes com o tema da manipulação das emissões por parte de alguns fabricantes, “gato escaldado...”), o legislador europeu prevê também incentivos adicionais, sob a forma de um sistema de créditos, para aqueles construtores que introduzirem no mercado veículos de baixas (menos de 50 g/km) ou zero emissões, ou veículos equipados com tecnologias inovadoras que se traduzam em evidentes vantagens ecológicas. Depois de conhecermos tudo isto, torna-se mais fácil perceber a aposta unânime na eletromobilidade a que já estamos a assistir: neste novo capítulo da sua longa “guerra” contra as emissões de gases nocivos para a atmosfera, à indústria automóvel não resta outra alternativa senão acelerar a corrida à eletrificação das suas gamas de veículos...